C. A. M.

Conceito Arquivo Museu

Imagem de Vel Z
LOCAL E DATAS
Lisboa
Beco da Mitra
26 de Novembro a 16 de Dezembro de 2012, 21.30h
14 a 18 de Março de 2013, 21.30h
APRESENTAÇÃO

“Num armazém abandonado um colectivo artístico interroga-se e questiona, manifesta-se, rebela-se…” C. A. M. – Conceito, Arquivo, Museu -, ponte para um renascer de espaço e trabalho, confronto entre morte e vida, húmus, foi um evento performativo na linha do Perfinst, um espectáculo-manifesto que contava com a participação de uma série de jovens performers e ajustava contas com o passado, usando o presente para confrontar o futuro, que felicitava. Com C. A. M. a KARNART despedia-se do armazém que foi sede da estrutura entre Agosto de 2009 e Dezembro de 2012.

MANIFESTO subjacente a C. A. M.

Em CAM um director de uma estrutura criativa imobilizado ao fundo do armazém, onde está precariamente instalado o seu espólio, espera. À sua direita jovens actores jazem em caixões. À sua esquerda personagens concluídos espalham-se como estátuas. Um todo espera. E espera. E espera. Somos a KARNART Criação e Produção de Objectos Artísticos Associação. / A espera não nos é exclusiva, partilhamo-la com as outras estruturas de criação artística. Estamos todos condenados à espera. Espera por reconhecimento. De valor. De importância para o futuro do país. Espera que o Estado honre compromissos. Espera que o Estado invista no desenvolvimento. Investir no desenvolvimento passa por uma visão de futuro, passa pela Arte. A construção de futuro passa pela Arte. Esperam de nós, talvez, que na espera encontremos a morte. Mas com ela já nós contamos, e por ela esperamos a lutar, resistir. A viver. / Somos pequeno-burgueses, alguns. Somos do povo, todos. Somos alto burgueses, poucos. Somos de pais divorciados, de pais juntos, de traumas, de dramas como nas tragédias gregas, de alma, de famílias verdadeiras como as de Santareno, de valores como os dos Agonias, de identidade, de dignidade, de humanidade. Não merecemos nem aceitamos menosprezo ou mesquinhice, roubo ou exploração, soberba ou mentira. / E temos orgulho em nós! Vejam lá! Gostamos de nos ver! Temos amigos. Somos vaidosos. Engraçamos com os nossos defeitos. Escrevemos maus manifestos, irónicos, deprimentes. Não usamos os nomes dos nossos mais velhos, mais antigos, como tapetes para subir…. / Fazemos para viver, para comer, para criar, para propagar, contagiar, infectar, por impulso, por amor, por prazer. Morreremos mal como morreram muitos. Morreremos felizes como morrerão outros depois de nós. Morreremos a viver. Morreremos a gritar, a sorrir, a flutuar, a sentir – fechando o ciclo do choro do nascimento. E se não for em Portugal será no Mundo; o mundo é grande, foi lá que nascemos. Foi lá que vingámos. Foi lá que nos encontrámos nos provérbios “onde te vai bem a tua vida, lá é a tua terra”, “a campo fraco lavrador forte” ou “ao velho muda-lhe a casa e o ar, e vê-lo-às acabar”. / Lutamos porque acreditamos em projectos, nossos e de outros. E não somos estúpidos, como alguns estúpidos nos creem ser. Burros, talvez, como os mirandeses ou os albardeiros, cientes de os quererem silenciar. Do Poder à Comunicação Social. Durante anos não quisemos acreditar nisso mas – ou porque estamos mais velhos, ou porque estamos mais cansados, ou porque, como diria Brandão, acordamos com mais fel – hoje cremos que sim. Eles estão no Governo ou em jornais, em poleiros, eles são secretários-gerais, chefes de serviços, júris de concursos, “críticos” de tudo, comissários de nada! / A essência do nosso estar é ser artista! A essência do nosso ser é estar em criação! Permanente. Mesmo quando sem perspectivas, dedicados e empenhados, a contar cêntimos para gás de aquecimento ou arranjos de figurinos, a andar a pé. O estar deles é parasita, o ser deles é amesquinhar, apadrinhar, retorcer, castrar, inviabilizar, tentar matar! E nós morremos; todos morremos! Mas não morremos ainda! / Homenageando os miseráveis olhamos o futuro acarinhando o passado, sentindo medo mas rindo alto, admirando as rugas que se nos aprofundam, temendo não conseguir continuar mas caminhando – acreditando que é na essência do povo que nos vemos reflectidos, na sua integridade que nos revemos, nos encontramos e à nossa genuinidade, à nossa identidade: ao lado dos desprotegidos, dos pobres, dos excluídos; das Joanas de Brandão, das Irinas heroínas de género de Copi, das crias de Drakull em OPNI V… / Fazemos Teatro e fazemos Perfinst! Gostamos de texto e fazemos Perfinst. Gostamos de actores e fazemos Perfinst. Amamos objectos, obcecamos composição, respiramos harmonia. / Nós somos verdadeiros proletários das artes performativas portuguesas. Nós, os KARNART, antigos e passados, presentes. Do Estado não recebemos seiscentos mil euros, quatrocentos mil euros, ou cem a duzentos mil euros como as estruturas da nossa geração. Não. Recebemos quarenta mil euros, quarenta mil que às vezes se transformam em menos de trinta mil. E fazemos. E sempre tem sido assim. / Nenhum apoio entre 1991 e 1997, apoios pontuais entre 1998 e 2004, apoios bianuais entre 2005 e 2008, nenhum apoio em 2009, pontual em 2010, anual em 2010, bienal entre 2011 e 2012, incógnita, claro, a partir de 2013. / E fazemos! Mas fazemos! Mas fazemos! E fazemos! / Recuperamos espaços de onde somos expulsos passados anos por organismos do Estado; vivemos anos mendigando espaços alheios, escorraçados de galerias de arte, cedendo a programadores modernos e tremendo em armazéns gelados; encontramos formas alternativas de financiamento, proporcionamos formação, fazemos acolhimentos que se revelam mais tarde ingratos, lançamos nomes que, quem diria – Soares? Guedes? Ramos? Cruz? – nos vêm a ignorar ou recusar. Interessa-nos a transmissão e a partilha de saber. Interessa-nos o património e a construção do futuro. Interessa-nos o legado que passamos aos que, em aventura e num acto altruísta, já aqui estão, ao nosso lado. / De tantas lutas a tantas lutas, com tantos cactos… E um mar de batalhas ainda por travar, sem tempo para elas! E a Amazónia a desaparecer; e a nossa linda serra da Picota, em Monchique, em risco de ser esventrada pela ganância do minério; e as sujas praias da Ilha do Sal, em Cabo Verde; e os animais a serem abusados em gaiolas e gavetas, na China e em África, para consumo humano… E… e… e… / Sim… sim! Claro! Também temos sol, praias; Monsaraz, Monsanto, Belmonte e Sintra… Temos Açores. Temos as rendas do Pico e as noivas de Viana, os tabuleiros de Tomar e as flores de Campo Maior, sim. Temos Serôdios, Brilhantes e Oliveiras. Melos, Rorizes e Costas, temos também Santarenos, Herculanos, Saramagos, Peixotos e Albertos, temos Vargas, Ruas e Brancos… Música. E História. E Arte. / Mas – Vómito! – temos Relvas, Lellos e Portas; Bartolomeus, Moedas e Peres; Guerreiros, Assises e Policarpos… E o mais que o dinheiro compre e o diabo carregue, temos para exportar, vender e dar!!! / Os jovens que temos não são para desperdiçar. Os corruptos que temos são para neutralizar, responsabilizar, condenar! / Em CAM, um director de uma estrutura criativa, ao fundo do armazém onde está precariamente instalado o seu espólio, espera. À sua direita jovens actores jazem em caixões. À sua esquerda personagens concluídos espalham-se como estátuas. Um todo espera. E espera. E espera. E outros esperam de nós, talvez, que na espera encontremos a morte. E nós, enquanto esperamos, partilhamos a espera e a morte em cena. / Estamos vivos! / E, como diria Raúl Brandão: “A vida é tecida como o linho. Um fio de dor, um fio de ternura. Eu intrometo-lhe sempre um fio de sonho. Foi o que me perdeu”.

PRÉMIOS E MENÇÕES
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA

direcção

Luís Castro


Vel Z

interpretação

Magda Gautier


Fernando Grilo


André Santos

e

André Fialho


Artur Moura


Carina Costa

Diana Serrano


Hugo Coutinho


Hugo Rodrigues

Inês Mendes

Laura Gonçalo


Luana Melo

Mafalda Ferraz

Marcos Marques

Mário Mendes

Miguel Valle Grilo

Tiago Correia

apoio técnico

Ricardo Pinto

FINANCIAMENTO E APOIOS

financiamento institucional

 Gabinete do Secretário de Estado da Cultura / Direção-geral das Artes 

apoio

Câmara Municipal de Lisboa, Associação Meridional de Cultura – Teatro Meridional e E.G.E.A.C.

agradecimentos

Adelaide Malta, Adriana Gonçalves Castro, Claudia Galhós, Helena Gonçalves, Jessica Ascenso, Manuel Malta, Maria João Brilhante e Pedro Caetano

GALERIA

Fotografia de Vel Z

GALERIA II

Fotografias de Ângela de Freitas

MATERIAL PARA DIVULGAÇÃO
IMPRENSA
COMENTÁRIOS
TESTEMUNHOS

Cacilhas, “uma pancada nos olhos faz ver”, mas neste caso a sensação é mais violenta, é mesmo a de um murro no estômago. Vejo que outros espectadores a utilizaram. Olho-os, aos espectadores densos, compenetrados, que saem como se tivessem algo a fazer. Gostei dessa imagem, confortou-me. Confortou-me a ideia de que saímos daquele levantamento-memória com a ideia de que temos algo a fazer. Que o queremos fazer. O que é mais doloroso verificar é que me apercebi que, desde os anos 80 nós todos no teatro fizemos uma viagem, uma longa viagem, que os desertos, as ausências que se falavam nos anos oitenta foram a pouco e pouco sendo preenchidos, nunca é da melhor forma, mas foram sendo preenchidos, e que isso agora foi violentamente, escandalosamente atacado, desprezado, suspenso de uma relação e que poucos de nós se apercebem que não é de tenças, de dízimos, de subsídios, que se está a falar, é de uma aquisição, de um investimento reiterado que é desfeito, desligado. Nem sei como vos dizer que é do coração da democracia, da vida como possibilidade. É como se nos matassem por dentro e não a nós, mas ao que nós é nó, vínculo, ligação, prospectiva. Como diz o Manifesto Karnart 2012, continuamos à espera de ser tratados com a dignidade com que se devem tratar todos os parceiros da república, da democracia e da comunidade e nesse despeito não há nada de pessoal, mas uma vontade de eleger novos parceiros, novos parceiros que rimam pobremente com coveiros. É tudo muito rasteiro, muito lúgubre, muito a vida do avesso daquilo que uma vida pode ser. Andam a fazer de nós negócio. É tudo um desprezo muito grande pela própria comunidade. Querem convocar em cada um de nós ou o medo ou o terrorismo, mas sempre a violência. Aquela razão alegre, viva, festiva, que nasce na capacidade de nos encontrarmos uns com os outros é-lhes coisa estranha. Cresceram no ódio por si mesmos, alimentaram-se de ideias assassinas sobre os outros, e só se sabem reconhecer a si mesmos e aos outros através da violência. Não há outro motivo plausível para um país que se quer submeter e reger por um cânone do norte da Europa, uma Europa rica culturalmente, no teatro, na música, na dança, nas artes plásticas, na literatura, na investigação científica, na valorização deste tecido para a criação identitária, construa sucessivamente orçamentos onde a Cultura, a Educação, a Ciência, a Saúde, sofrem cortes brutais e onde o orçamento da Administração Interna, das Polícias e do Estado-Segurança cresce. Olhemos a hidra de frente: isto não é o fascismo nem o nazismo nem nada que já tenhamos conhecido. É uma força política destrutiva ainda sem nome à qual é preciso opor desde já toda a nossa energia positiva, toda a nossa capacidade de pensar um país novo. Precisamos de uma mudança, uma ruptura na sociedade portuguesa. E para isso, dizem-nos aqueles rostos e corpos encaixotados dos performers à espera de vez, é preciso continuarmos. Prosseguirmos caminho. Como dizia a Maria João Brilhante no seu manifesto, fazer perceber a cada vez mais sectores da sociedade portuguesa o que está verdadeiramente em causa.

Saudamos, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, o colectivo Karnart e o seu trabalho. Saudamos a resistência e o trabalho, particularmente num contexto adverso de censura financeira e política de que são alvo as estruturas de criação artística. Agradecemos o convite que nos foi dirigido e que nos possibilitou conhecer esta vossa perfinst com que se despedem deste espaço. Votos dos melhores sucessos no presente e futuro, na seda da vossa luta, que abraçamos, enquanto comunistas.

Até dia 16 deste mês a Karnart continua a apresentar o seu «Conceito Arquivo Museu», no Beco da Mitra, Rua do Açucar, em Lisboa. Quem quiser deter-se sobre este conceito, muito terá para ver/reflectir sobre a nossa história (pessoal/nacional). Mais uma performance-instalação (‘perfinst’) dirigida por Luís Castro e com um grande naipe de actores/actrizes, entre muitos outros cúmplices, em que todos juntos concebem um exercício de memória (colectiva), dramatúrgica, todos (ansiando?) pelo que há-de vir. Devir. E o que se espera? Espera-se não ceder ao desespero. Espera-se um futuro maior. Portanto, trabalha-se. É isso que todos/as fazem naquele armazém frente ao Teatro Meridional: uns e outras ‘congelam’ ou melhor ‘criogenam’, o momento teatral. Porque a seguir, continuaremos a estar cá todos e a fazer arte/ciência/ cultura enfim. Não conto mais. Se puderem, não percam.